Blog

Entrevista Neyde Alice Pereira

Quanta história envolve o cacau – esse fruto que traz dentro de sua amêndoa a matéria-prima do chocolate! Aliás, cacau é fruto de importância histórica e cultural para o desenvolvimento do Brasil. No século 18, encontrou solo e clima favoráveis na região de Ilhéus, onde fez dias de glória. Teve uma importante representação na economia nacional e colocou o Brasil no topo do ranking global de produção de cacau, ocupando a 2ª posição. No final da década de 80, foi à derrocada ao ser afetado pela propagação da grave doença vassoura-de-bruxa. Hoje, com a sétima maior produção de cacau no mundo, vivemos uma nova fase, de recuperação e de novas perspectivas. A cadeia produtiva, continua se reinventando e gerando transformação social. 

 

Para falar mais sobre esse “fruto de ouro”, a nossa entrevista é com a Doutora Neyde Alice Bello Marques Pereira, pesquisadora de Tecnologia e Ciências Agrícolas da CEPLAC – Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira. Expert na área de Ciência e Tecnologia de Alimentos, com ênfase em pós-colheita do cacau, Neyde, que trabalha há décadas ajudando o produtor tirar o melhor da fruta, fala sobre a qualidade das amêndoas, chocolate fino e gourmet, mercado e consumo. Acompanhe esse delicioso bate-papo:  

 

1)      Existe um movimento de produção de cacau e chocolate de alta qualidade no Brasil? Se sim, como você vê esse crescimento e a que ou quem a sra. atribui?

Sim. Nos últimos anos a produção de cacau de qualidade tem considerável aumento, sendo o Brasil reconhecido como país produtor de cacau fino e aromático pelo ICCO (Organização Internacional de Cacau e Café), com sede em Londres. A realização de eventos, festivais regionais, nacionais e a participação do Brasil nos últimos dez anos no Programa Cacau de Excelência (CoEx) concurso mundial com o objetivo de reconhecer o trabalho dos produtores, celebrar a diversidade dos sabores do cacau em cada região produtora contribuíram para essa melhoria de qualidade. Como resultado dessas ações deve ser ressaltado o grande número de produtores e de associações que passaram a fabricar chocolates Bean to Bar, com formulações de alto teor de cacau, contribuindo para aumento do consumo, o que naturalmente requer o uso de cacau fino ou de melhor qualidade. A CEPLAC (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira), por meio de capacitação e encubação de pequenas indústrias e, mais recentemente, o CIC (Centro de Inovação do Cacau), tiveram, sem dúvida alguma, papel relevante nesse novo panorama. Com tudo isso, já se observa pagamento de preço melhor pelo cacau de qualidade, que pode ser citado como mais um estímulo para a melhoria na qualidade da amêndoa.

2)      Posso afirmar que hoje o cacau brasileiro apresenta variedade e riqueza de sabor e aroma?

Sim. Podemos afirmar que temos diversas variedades de cacau que, em conformidade com o meio ambiente onde está plantado (região, solo, clima, altitude, etc.), possuem sabores e aromas de constituição diferenciados, que irão aflorar no processo de pós-colheita adequado, na torra certa, transformando em ricos chocolates. Nas regiões brasileiras produtoras de cacau podemos encontrar “terroirs” conforme esses conceitos e processos e, inclusive, estamos mais preparados para identificar essas qualidades, antes despercebidas.

3)      O que fazer para melhorar a qualidade do cacau e gerar um produto de alto valor agregado? Quais são as vantagens para um processo de beneficiamento das amêndoas do cacau feito de forma correta?

A qualidade do cacau nasce na genética e na influência que os fatores do meio exercem sobre essa produtividade, resistência/e ou tolerância a doenças, sabor e aroma. O produtor, para ter amêndoa de qualidade, além da dedicação, precisa buscar conhecimento técnico para desenvolver o processo de fermentação e secagem corretos para a formação dos precursores de sabor e aroma do chocolate, oferecendo assim produto diferenciado e competitivo, além de alcançar premiações e certificações.

 

4)      Assim como é feito na produção de queijo, vinho e cerveja, a sra. acredita na adição de leveduras no processo de fermentação para diminuir a acidez do cacau e, consequentemente, melhorar o gosto do chocolate?

Cada produto tem suas práticas e, consequentemente, os efeitos no protocolo final. Para o cacau, adicionar mais leveduras, ainda não é uma prática usual. Independente da adição, o mais importante é que a fermentação ocorra com controle total do processo, não só para diminuir a acidez, mas também os atributos de amargor e adstringência, e que valorize o sabor cacau, o dulçor e as notas secundárias que podem ser frutadas, florais, amendoadas, e outros, conforme as variedades utilizadas se for um blend ou de forma isolada (varietal), uniformizando e criando um padrão de identidade de amêndoa, para fabricar um chocolate de personalidade.

5)      A sra. é pesquisadora em Tecnologia e Ciências Agrícolas do Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira da Bahia). Eu posso dizer que esse órgão pode ser chamado como um celeiro científico, promotor de desenvolvimento econômico e social? Qual a importância de entidades como essa para o setor? Quais os principais desafios?

A CEPLAC, sem dúvida, é o órgão balizador da pesquisa e inovação do cacau nos biomas Mata Atlântica e Amazônico, com destaque para o estado do Pará. Grandes avanços na genética e biologia molecular têm permitido o lançamento de novos clones com larga base genética de resistência a pragas e produtividade. As universidades também vêm participando, especialmente a UESC - Universidade Estadual de Santa Cruz. Isso vem em boa hora, pois a CEPLAC está há muito tempo sem contratar pesquisadores, o que pode vir a se observar uma erosão do conhecimento sem beneficiar no momento oportuno o produtor. Os desafios são grandes, temos que aumentar a produtividade e agregar cada vez mais valor à amêndoa produzida. A CEPLAC está buscando trabalhos associados à Embrapa, visando suprir a deficiência de pessoal especializado, em face à elevada redução do seu quadro de servidores.

6)      Como o próprio lema da CEPLAC diz: “plantar cacau é reflorestar o Brasil”, a sra. acredita que promover desenvolvimento na agricultura sustentável e diversificada significa “salvar” biomas como Amazônia e Mata Atlântica?

Sim. O que põe em risco esses biomas é a agricultura itinerante e a pastagem mal manejada. Os sistemas de produção de cacau são altamente sustentáveis. Por outro lado, as novas implantações nestes dois biomas devem ocorrer na recuperação de áreas degradadas ou abandonadas, por isso, em geral, não há necessidade de abrir novas áreas para plantar cacau.

7)      A sra. pode citar outras possibilidades de produção a partir do cacau que não apenas o chocolate?

Além do chocolate e da extração da manteiga de cacau, objetos do motivo de plantar cacau no mundo, há outros usos do cacau que chamamos de co-produtos. Da mucilagem, que reveste as sementes de cacau ainda frescas, fazemos a extração do mel de cacau através de prensagem, rico em açúcares e pectina, utilizado como bebida e fabricação da geleia de cacau, diferenciada pelo sabor cítrico agradável. A partir do mel, temos a linha de fermentados, como vinagre, licor e vinho.  Despolpando parte da mesma mucilagem, obtemos um produto conhecido como polpa de cacau para o preparo de sucos, néctar e sorvetes; e, com a sibira, que prende as sementes dentro do fruto, se faz doce cristalizado muito saboroso. As amêndoas fermentadas e secas, torradas e descascadas, transformam-se em nibs de cacau, cuja produção, comercialização e consumo está bastante divulgada pelos benefícios à saúde, graças a seu valor nutricional, sendo forma interessante de agregar valor.

8)      A sra. pode nos contar alguns cases que te chamaram a atenção em trabalhos realizados em parceria com chocolates makers.

Conheço vários, uma vez que grande parte dos produtores que verticalizaram a produção fazendo a melhoria da qualidade da amêndoa ou fabricando o próprio chocolate, em algum momento receberam orientação da CEPLAC.  A região que há 10 anos só tinha a comodities, hoje tem várias marcas de chocolates competitivos, considerados finos, de origem, nos nichos Tree e/ou Bean to Bar, que alcançaram sucesso. Esses cases são encontrados na Bahia, no Pará e Espírito Santo.

9)      Como a sra. vê o futuro do cacau e do chocolate fino e/ou especial no nosso país?

Vejo um futuro promissor tanto para quem fabrica, como para o consumidor que busca um chocolate diferenciado com alto teor de cacau, saudável, competitivo. Para o produtor, agregação de valor, aumento da margem de lucro, podendo ambos conquistar mercado externo. A melhoria da qualidade da amêndoa, a mudança do perfil do consumidor, das regiões produtoras, estão contribuindo para uma nova visão do cacau brasileiro no mercado interno e externo.


 ***CONFIRA TAMBÉM O VÍDEO DA NOSSA LIVE COM NEYDE ALICE PEREIRA, ACESSANDO O LINK: https://youtu.be/MqxQ33RHg6w

 

 

Comentários

Conteúdos Relacionados

Utilizamos Cookies Essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.