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Da terra do Cacau à terra do chocolate

No século XVI o chocolate se tornava conhecido por conquistadores espanhóis que chegaram no México, por ocasião da descoberta das Américas, e consequentemente, por seu intermédio se difundiu na Europa.


O chocolate inicialmente era uma bebida amarga e composta de uma mistura de cacau, milho e pimenta e desempenhava um importante papel nas cerimonias religiosas dos povos pré-colombianos (olmecas, maias e astecas). Considerado valioso e sagrado, as suas amêndoas chegavam a ser utilizadas como moeda de troca.


Os espanhóis não se familiarizaram com o sabor e aos poucos adicionaram açúcar e depois canela e baunilha para modificar seu sabor amargo. Por quase 100 anos a bebida permaneceu pouco conhecida no resto da Europa, chegando à Itália em 1606 e à França em 1657. Nessa época o chocolate era uma bebida cara, feita para a aristocracia e sua propagação se dava por conexões entre famílias da alta nobreza.


No Brasil, o cacau teve seus primeiros cultivos aqui no Pará, em 1667, quando a coroa Portuguesa autorizou o plantio por autoridades locais com vista a servir de exemplo aos colonos. Porém, registros indicam que os jesuítas foram os primeiros a relatar a existência de cacau na região, mais especificamente no município de Cametá, considerado um dos berços do cacau na Amazônia, no que tange a produção em escala e comercialização. E foi um francês que fabricou pela primeira vez o chocolate em Belém, em 1687.


Se no início a produção de chocolate não passava de poucas indústrias isoladas, a nova fase, entretanto, vem se desenvolvendo gradativamente. A trajetória do “alimento dos deuses” hoje é contada por novos personagens que estão surgindo nessa trama. E o Pará tem destaque nesta história como pioneiro na produção de chocolate “bean to bar” – chocolate feito do grão à barra, com o primor de se poder localizar o cacaueiro de onde saiu a amêndoa para o seu fabrico.


Com efeito, o cultivo do cacau no Pará ganhou forte destaque na última década, período em que a produção apresentou um crescimento anual contínuo, notadamente a partir da criação do Fundo de Apoio à Cacauicultura do Estado do Pará – FUNCACAU, em 2008.


Atualmente, o principal polo de produção do Pará está na região Transamazônica, sudoeste do estado e engloba sete municípios, dentre eles Medicilândia, maior produtor de amêndoas do país. A atividade é capitaneada, essencialmente, por pequenas e médias propriedades em sistema de produção familiar e concentra mais de 76% da produção do estado. Esse feito faz do Pará o maior produtor de amêndoas do país, desde 2016.


Além do incentivo ao aumento da produção de cacau, o estabelecimento do FUNCACAU impulsionou a formação de cooperativas na Amazônia e a produção artesanal de chocolates. Desde então, uma pequena parcela da produção de amêndoas secas fica no estado e rende a fabricação do chocolate regional.


Um dos precursores desse movimento é o químico e chocolatier Cesar De Mendes que em 2005 fundou a fábrica de chocolate Amazônia Cacau e realizou pesquisas que auxiliaram na identificação da presença de cacau em diferentes biomas do Pará. Segundo ele são sete biomas, dos quais cinco já estão catalogados pela CEPLAC. Cada bioma produz um cacau matizes sensoriais diferentes, e, portanto, chocolates com sabores e aromas específicos, haja vista que as variáveis geográficas de solo, disponibilidade de água, incidência de luz e vegetação do entorno geram um quinto e determinante fator, que é a quantidade e variedade de microrganismos.


Nesse mesmo ano, implantou-se na região Transamazônica a central de cooperativas de cacao orgânico que possibilitou aos produtores acesso à novos mercados e deu início à capacitação e processo de certificação do cacau orgânico e cacau sustentável e permitiu a exportação de cacau do Pará para uma indústria de chocolates da Áustria.


Em 2010, consolida-se um projeto pensado e fomentado pela prefeitura de Medicilândia, em 2005, que une agricultores familiares, ai surgiu a Cacaway, primeira agroindústria de chocolate genuíno da Amazônia, em Medicilândia. Constituída por 40 cooperados que produzem cacau de alta qualidade por meio da produção agroflorestal, a fábrica desenvolve produtos “do cacau ao chocolate”.


Essas iniciativas permitiram, além da verticalização da produção, inovações na produção de cacau fino e orgânico elevando os padrões de qualidade dos produtos, e permitindo novas oportunidades de negócios.


E as condições climáticas e de solo do Pará permitem que se produza cacau de boa qualidade. Estudos comprovaram que as amêndoas da região apresentam uma das maiores qualidades em nível de cacau para produção de chocolate com aceitação pelo padrão internacional. O sabor e aroma do cacau da região, se mostraram superiores ao das principais regiões produtoras de cacau no Brasil e no mundo, como da Bahia, da Costa do Marfim, do Espírito Santo e de Rondônia. Ou seja, em termos de qualidade, o cacau do Pará apresenta diferencial capaz de competir no mercado internacional de chocolate.


Mercado esse, tradicional na Europa, e que está em franca expansão no Brasil e, mais recentemente, também na Amazônia. Nesse sentido, já se encontram consolidadas pelo menos nove indústrias de chocolate com produção de barras 100% cacau do Pará.


De fato, o Pará possui grande potencial para a produção de chocolate, porém ainda pouco explorado quando comparado à Bahia que em 2009 contava com apenas uma marca de chocolate e atualmente conta com mais de 40 marcas, constituídas em sua maioria de pequenos e médios produtores. Nesse sentido é preciso aumentar a representatividade do Pará no mercado de chocolate de origem.


Umas das alternativas é fortalecer a marca Cacau de origem da Amazônia nos diferentes polos de produção do estado, fator de grande vantagem para a entrada definitiva no mercado produtor de chocolate de qualidade. Tão importante quanto a valorização do produto amazônico é que o fortalecimento desta cadeia gera empregos diretos e indiretos criados ao longo do processamento de chocolate, aliado a uma gestão adequada entre os atores públicos e comunidade produtora que serviria para o desenvolvimento local, fortalecendo a economia e, ao mesmo tempo proporcionaria oportunidades concretas de um produto genuinamente amazônico com possibilidades de competir no mercado mundial, e de fato transformar a “terra do cacau” também na “terra do chocolate”.

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